A moda não pertence aos mortos: como a prática sustentável se expandiu no mundo fast

*texto produzido de forma conjunta com Suzany Soares* O lugar distenso tomado por araras de roupas com um forte cheiro de naftalina é o éden para as pessoas que se autointitulam "garimpeiras", -devido o processo de procura para peças que valem ouro- em amontoados variados de tecidos é possível encontrar peças com tendências atuais mas que foram confeccionadas no passado, essa é a grande graça da moda, ela se reinventa atravessando modismos que já dominaram outras épocas e exalaram a personalidade de outras pessoas para ocupar no presente outros corpos e exteriorizar pensamentos pessoais ainda mais fortes. Vestir histórias desconhecidas e transpor a sua própria história se torna hoje um dos maiores privilégios para quem entende de fato o que é reaproveitar peças que por um instante, pertenceram à guarda-roupas alheios. As peças que pertencem aos brechós hoje, puderam presenciar narrativas de pessoas com histórias, crenças e experiências de toda a variedade da existência humana.


No Brasil, os brechós começam no Rio de Janeiro, através da Casa de Belchior, um estabelecimento focado em vender produtos usados e antigos, o sucesso era tanto no século 19, que o nome Belchior foi associado a todos os estabelecimentos que passaram a vender artigos de segunda mão. Depois de algum tempo o nome sofreu um processo de mudança e ganhou um novo nome que é o que entendemos hoje como brechó, que além de ser um lugar em que podemos dar algo que não é mais útil para nós, também podemos comprar peças que nos acrescentam experiências novas, mas infelizmente o processo de compra, se finaliza apenas para os altruístas que não estereotipam brechós e não absorvem a crença popular que diz sobre as roupas com “energias ruins" que provêm destes estabelecimentos.


    Existe uma crença estereotipada em torno dos brechós que faz as pessoas acreditarem nas energias impregnadas que as pessoas vivas ou mortas deixam nas peças que já foram usadas, mas se esquecem da verdadeira "energia" no momento de efetuar a compra sustentável: a energia gasta em processos desumanos, irresponsáveis, poluentes e análogos à escravidão. A indústria "fast fashion", -responsável por produzir peças de consumo em massa-, continua lucrando a cada estação que passa, com tendências que se perdem em um piscar de olhos e logo são substituídas por mais e mais roupas e sapatos da nova estação e consequentemente, das novas tendências. 


           Referenciando os estudos Frankfurtianos que após a II Guerra Mundial, os conceitos “Cultura de Massa” e, sobretudo, “Indústria Cultural” que ganharam relevância dentro do meio intelectual. Os teóricos alemães Theodor Adorno e Max Horkheimer acreditam que a Cultura de Massa representa o processo de produção de bens de consumo que alcancem uma grande parcela da população, com fins fundamentalmente lucrativos e comerciais.


          Da mesma forma que a moda produz suas tendências e incentiva o consumo desenfreado, ela também decide o que vai ser hype. E hoje, os brechós se tornaram badalados e a forma de consumir, se tornou conceitual. A aquisição dessas peças, está intrinsecamente ligado ao consumo consciente, que por sua vez tem tomado ainda mais força em meio a crise econômica. Nos últimos 10 anos, a conscientização a respeito do impacto da moda no meio ambiente e a consolidação das mídias sociais como a grande voz do consumidor moderno transformaram o desapego na tendência que mais cresce no universo fashion. Isso é um ganho para quem pensa em moda além das quatro paredes de uma loja de um grande centro comercial como os shoppings.


    A grande questão da moda que conscientiza o consumidor é fazer com que ele entenda que nem sempre o que é novo, é de fato bom. O privilégio aqui é que a moda nunca foi descartável, o reaproveitamento de tecidos se tornou um dos grandes nichos da moda inovadora, chamada atualmente de upcycling, um processo que visa dar um novo propósito a materiais que seriam descartados, com muita criatividade e qualidade igual ou até melhor que a do produto original. Assim como utilizar peças de pessoas que já se foram se torna inovador, na questão de que: se uma roupa teve uma durabilidade tão boa a ponto de pertencer a vida de alguém e ainda continuar de certa forma intacta, quão bom é transferir para a própria vida e fazer disso além de uma roupa barata, estilosa.

Acreditamos no poder da moda que é criativa e potente pra mudar as diretrizes do mundo, relações de trabalho e natureza. E não em marcas extremamente contestáveis, que não enxergam a moda e o consumo como um ato político, mas vêem apenas o lucro. Mas se o único poder que temos é o da carteira, então cá estamos nós pra usá-lo. Não podemos mais apoiar e dar espaço a marcas e grupos que compactuam pra destruição do planeta e aumento da desigualdade social. A Moda não pode ser só sobre roupas e faturamento, mas sim sobre pessoas, relações, coletividade e responsabilidade no mundo.

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